Tema: Medicina e fisiologia do mergulho
Fonte: http://www.bombeiros.com.br
Autor:
Data: jun./2006


MEDICINA E FISIOLOGIA DO MERGULHO

1. Condições do ambiente subaquático

  • O ser humano vive, por assim dizer, no fundo de um mar gasoso e na superfície de um mar líquido. Suporta nessa superfície uma pressão atmosférica de 1,033 Kg/cm2 e a cada 10 metros de profundidade na água é como se outra pressão atmosférica se juntasse às preexistentes.
  • Aventurando-se nas incursões submarinas, o homem enfrenta condições adversas, para as quais sua fisiologia não está preparada; sua inteligência possibilita-o vencê-las pelo uso de equipamentos por ele construídos. Alguns destes o mantém, mesmo nas profundidades oceânicas; outros preparam-no para adaptar-se a reagir favoravelmente a grandes aumentos de pressão; mesmo assim, o ser humano continua a sofrer os problemas que vamos agora comentar.

2. Efeitos da pressão no organismo humano

  • Os efeitos podem sêr diretos ou indiretos. Os diretos ou primários são aqueles que resultam da ação mecânica da pressão sobre as células e espaços corporais. Suas conseqüências são o barotrauma e a embolia traumática pelo ar.
  • Os efeitos indiretos ou secundários são assim chamados devido às alterações fisiológicas, produzidas em decorrência das pressões parciais dos gases absorvidos pelo organismo.
DIRETOS
INDIRETOS
BAROTRAUMAS
BIOQUÍMICOS
barotrauma de ouvido médio narcose pelo nitrogênio
barotrauma de ouvido externo intoxicação pelo oxigênio
barotrauma dos seios da face intoxicação pelo gás carbônico
barotrauma dos pulmões intoxicação por outros gases
barotrauma total apagamento
barotrauma facial ou de máscara
BIOFÍSICOS
barotrauma de roupa doença descompressiva
barotrauma dental  
EMBOLIA TRAUMÁTICA PELO AR
 

 

  • 2.1 Barotraumas
    Do grego “baros”, cujo significado é pressão; barotrauma é o traumatismo causado pela pressão; é a lesão que sobrevêm da incapacidade do mergulhador de equilibrar as pressões entre um espaço aéreo e a pressão do meio ambiente; no estudo do mergulho são denominados em função do modo como ocorrem.
  • 2.1.1 barotrauma do ouvido médio
    A característica deste acidente é que ocorre sempre na fase de descida do mergulhador, sendo a doença mais leve e freqüente nos mergulhos. À medida que aumenta a pressão exterior durante a descida, a membrana do tímpano sofre o efeito direto desse aumento, abaulando-se para dentro, podendo inclusive romper-se, se o mergulhador não conseguir equilibrar as pressões por meio do envio forçado de ar através da tuba auditiva. Quando o tímpano se rompe, o ouvido médio é invadido pela água, e se a temperatura desta for baixa, o mergulhador poderá apresentar, por irritação dos canais semicirculares, náuseas e vômitos, sendo acometido pela Síndrome da Desorientação Espacial; esse fenômeno é de curta duração e tão logo a temperatura da água se eleve, os sintomas desaparecem. A ruptura da membrana timpânica requer tratamento médico especializado; na grande maioria das casos, o médico toma cuidados gerais para evitar uma infecção e assegurar a permeabilidade das trompas, e apenas observa a cicatrização espontânea que se dá, normalmente dentro de uma a três semanas. Este acidente pode não deixar seqüelas, mas pode também causar diminuição da audição para determinadas freqüências, devido a cicatriz que se forma no tímpano.
  • 2.1.2 barotrauma do ouvido externo
    Ocorre pelo uso de tampões de orelha, rolha de cerúmem, ou o uso de gorros de neoprene muito justos, que acabam criando uma câmara fechada no ouvido externo. Nesse caso a membrana timpânica abaula-se para fora, surgindo edemas e lesões hemorrágicas no conduto auditivo; esse acidente tanto pode ocorrer na descida do mergulhador quanto na subida.
  • 2.1.3 barotrauma dos seios da face
    Como os seios faciais comunicam-se com a faringe por estreitas passagens, a obstrução de um desses circuitos por um processo inflamatório qualquer ou má formação anatômica, impede o equilíbrio das pressões, criando uma região de baixa pressão no interior das cavidades ocas, produzindo uma sucção nas mucosas que as revestem. A repetição deste acidente pode tornar-se em sinusite crônica.
  • 2.1.4 barotrauma dos pulmões ou torácico
    Segundo a Lei de Boyle, a pressão e o volume são valores inversamente proporcionais, isto é, quando um aumenta o outro diminui. Dessa forma, à medida que o mergulhador vai descendo, a pressão aumenta consideravelmente e, por conseqüência, os pulmões vão-se comprimindo, reduzindo seu volume. A partir de um determinado ponto (quando se atinge o limite do volume residual), a flexibilidade da caixa torácica impede aos pulmões continuarem reduzindo seu volume e se o mergulhador prosseguir, haverá uma congestão e passagem de transudato (líquido que extravasa de uma membrana ou vaso sanguíneo) para o interior dos alvéolos, e finalmente edema agudo de pulmão.
  • 2.1.5 barotrauma total
    Só ocorre quando são utilizados equipamentos dependentes, rígidos e que formam espaços preenchidos com ar. Se a pressão no interior da roupa cair bruscamente (aumento brusco da profundidade ou interrupção no fornecimento de ar) a pressão exterior aumentada atua no corpo do mergulhador, podendo em casos extremos comprimi-lo em direção aos espaços internos do equipamento.
  • 2.1.6 barotrauma facial ou de máscara
    A pressão no interior da máscara facial deverá ser mantida em equilíbrio com a pressão exterior. A não equalização entre essas pressões ou a queda da pressão no interior fará com que a máscara se transforme em uma ventosa de sucção, atingindo a face propriamente dita e os tecidos moles, como globos oculares e capilares nasais. O mergulhador acusa a sensação de sucção durante o mergulho; na superfície geralmente são constatados edemas, equimoses faciais, sangramento nasal, hemorragia do globo ocular (casos graves) e nas conjuntivas.
  • 2.1.7 barotrauma de roupa
    Dobras na roupa de neoprene mal ajustadas ao corpo podem transformar-se em câmaras aéreas sem possibilidade de se equilibrar as pressões. Nesses casos podem ocorrer equimoses, sem maiores conseqüências.
  • 2.1.8 barotrauma dental
    Obturações mal feitas, sem o devido preenchimento total do canal podem levar à formação de espaços aéreos impossíveis de se equilibrar as pressões; dor muito forte ocorrerá durante a descida e o tempo todo em que o mergulhador permanecer sob pressão. O problema será resolvido após consulta a um especialista.
  • 2.1.9 bloqueio reverso
    Embora não conste na tabela apresentada anteriormente, o bloqueio reverso é também considerado um barotrauma do ouvido médio; ocorre na subida do mergulhador e é provocado pelo uso de descongestionantes, cujo efeito venha a terminar, gradativamente, durante o mergulho. Nesse caso, a redução da pressão que ocorre à medida da subida do mergulhador não pode ser equalizada devido à obstruções do conduto auditivo, por secreções, provocando o abauluamento do tímpano para fora.
  • 2.2 Embolia traumática pelo ar
    Também chamada de ETA, ocorre quando o mergulhador, tendo inspirado ar em um equipamento qualquer no fundo, volta à superfície sem o exalar durante a subida. Esse efeito é provocado pela Lei de Boyle, pois à medida que a pressão externa diminui, o volume de ar no interior dos pulmões aumenta. Como os pulmões tem uma elasticidade limitada, poderá haver uma hiperdistenção alveolar e, em casos extremos, poderão romper-se, criando bolhas de ar na corrente sanguínea.
    Após o surgimento da hiperdistenção podemos ter o choque reflexo (sem ruptura), pneumotórax sem embolia, e finalmente a embolia pelo ar, cujo quadro é o mais grave.
    Assim como todos os tipos de barotraumas, A ETA pode ocorrer com uma variação pequena de pressão (baixas profundidades), principalmente se estivermos próximos da superfície, havendo registros deste tipo de acidente com variações de menos de três metros; é de evolução rápida e deve ser atendido prontamente.
    Outra característica importante é que esse acidente não ocorre no mergulho livre, pois os pulmões do mergulhador ao iniciar a subida em direção à superfície não poderão conter o volume de ar superior ao que tinham ao iniciar o mergulho; a exceção fica para o caso do mergulhador que executa o mergulho livre e, quando no fundo, respira ar de uma fonte qualquer (cilindro de ar, mangueira de ar, sino de mergulho, etc.). Ao voltar à superfície, se não exalar totalmente o ar de seus pulmões, a embolia fatalmente irá se manifestar.
  • 2.3 Narcose pelo nitrogênio
    Similar à embriaguez alcoólica, e por isso também chamada de “embriaguez das profundezas”, a narcose pelo nitrogênio é um tipo de acidente de mergulho provocado pelo aumento da pressão parcial dos gases componentes de uma mistura gasosa, em especial o nitrogênio, impregnando o sistema nervoso central.
    As alterações comportamentais provocadas são tão intensas, que o mergulhador perde a capacidade de cumprir tarefas e despreocupa-se totalmente com os perigos que o cercam, podendo caminhar, de persistirem suas atitudes incoerentes, para uma provável morte por afogamento.
    De modo geral, os sintomas começam a aparecer após os 30 metros de profundidade, e agravam-se à medida que a pressão aumenta, conforme demonstra o quadro abaixo:
PROFUNDIDADE
( metros )
SINAIS E SINTOMAS
30 a 60
Alterações da destreza manual, euforia, cabeça leve.
60 a 90
Reflexos diminuídos, alterações na associação de idéias e na discriminação auditiva.
90 a 120
Alucinações visuais e auditivas, estado depressivo perda da memória.
Acima dos 120
Inconsciência.
  • 2.4 Intoxicação pelo oxigênio
    O oxigênio, gás indispensável para a vida, se respirado a 100% e a pressões parciais elevadas, pode trazer uma série de conseqüências danosas e mesmo fatais para o homem. Sua atuação, nessas condições, afeta o Sistema Nervoso Central e o aparelho respiratório. No SNC, produz uma série de desordens neurológicas e no nível respiratório, provoca uma “queimadura química” nos alvéolos pulmonares.
    Podemos dividir esse item nos dois níveis de manifestação do problema: no SNC e no aparelho respiratório, como é demonstrado na tabela abaixo
SISTEMA NERVOSO CENTRAL
APARELHO RESPIRATÓRIO
Visão alterada: distúrbios conhecidos como visão de túnel
Tosse descontrolada
Audição: zumbidos e surdez progressiva
Sensação de falta de ar
Náuseas
Ardência ou queimação no peito
Tonturas: sensação de cabeça vazia, oca
Escarros sanguinolentos
Irritabilidade: estado ansioso ou excitação incomum
Parada respiratória, em casos extremos
Tremor muscular: lábios e músculos da face
  • 2.5 Intoxicação pelo gás carbônico
    O gás carbônico, CO2 ou dióxido de carbono, está presente no ar atmosférico na porcentagem de 0,04%. No processo respiratório do homem, é resultado da metabolização do oxigênio nos tecidos, e pode aparecer ainda em porcentagens maiores, como elemento adicional presente na mistura gasosa.
    Através do processo respiratório, os tecidos são supridos do oxigênio que necessitam e o gás carbônico é eliminado para o ar atmosférico. Na realidade esses dois gases estão em constante equilíbrio, isto é, ora um aumenta e o outro diminui e vice e versa. Esse mecanismo funciona simplificadamente da seguinte maneira: quando o teor de CO2 se eleva no sangue, este se torna ácido e atua no centro respiratório existente no bulbo (na base do cérebro), que provocará uma necessidade de respirar, restabelecendo os valores adequados.
    Quando por qualquer motivo a taxa de CO2 aumentar, podem ocorrer graves conseqüências para o mergulhador:
Aumento
de até 2%
Os sintomas são mínimos ou imperceptíveis
2 a 5%
O mergulhador sente “sede de ar” e respiração cansativa
5 a 10%
Perda da consciência e risco de afogamento
10 a 15%
Espasmos musculares, convulsões e morte
  • 2.6 Intoxicação por outros gases
    O ar que respiramos nos cilindros de mergulho é uma mistura gasosa composta por vários gases. Nas porcentagens certas não precisamos nos preocupar muito com eles; a ressalva a ser feita diz respeito às condições anormais de recargas de cilindros, onde por diversas razões, a mistura gasosa acaba tornando-se contaminada.
    O monóxido de carbono (CO) é o resultado da combustão incompleta e pode aparecer facilmente na mistura respiratória devido à falta de cuidado na recarga dos cilindros ou operações com compressores. Este gás é incolor, inodoro e reage com a hemoglobina do sangue, impedindo-o de cumprir sua função normal de carregar o oxigênio para os tecidos; seus principais sintomas são: tonturas, dor de cabeça, sensação de pressão interna no crânio, têmporas latejantes e pele, unhas e lábios com tendência a apresentarem tonalidade avermelhada.
    O gás sulfídrico (H2S) é o resultado de forte atuação de bactérias anaeróbicas (decomposição orgânica). Em baixas concentrações cheira a ovo podre, mas em concentrações maiores, é inodoro e incolor; assim como o CO, também reage com a hemoglobina do sangue. É encontrado em compartimentos fechados de naufrágios, ou qualquer bolsão com ar represado e não renovado, como cavernas subaquáticas; nunca se deve respirar sem o regulador no interior de naufrágios ou cavernas, a não ser que tenha a certeza da boa qualidade do ar.
  • 2.7 Apagamento
    Conhecido também como “blackout”, o termo apagamento refere-se a possibilidade da perda de consciência durante o mergulho, transformando-se num dos maiores perigos na prática do mergulho livre. Decorre basicamente da hipóxia cerebral que se segue à drástica queda da pressão parcial do oxigênio durante a subida. Como é um efeito que não apresenta sintomas prévios, o mergulhador não de dá conta do perigo e simplesmente “apaga”; caso esteja mergulhando sozinho ou sem acompanhamento, o final é sempre trágico e a morte por afogamento é inevitável. O apagamento é o grande responsável por inúmeros acidentes fatais envolvendo praticantes de caça submarina.
    Embora com menos freqüência, pode ocorrer também na prática do mergulho autônomo; nesse caso está relacionado ao equipamento respiratório e/ou padrão respiratório do mergulhador. Há casos relatados de perda de consciência por respirações curtas devidas à tensão ou estresse do mergulho, tentativas de economizar ar do cilindro ou à baixa temperatura da água; de qualquer forma, o risco de afogamento é o mesmo.
  • 2.8 Doença descompressiva
    Conhecida desde o meio do século XIX, ganhou fama aterrorizante e uma série de apelidos entre os mergulhadores. Os primeiros relatos da enfermidade surgiram por volta de 1870, atingindo trabalhadores de minas que utilizavam caixas pressurizadas para permitir que trabalhassem secos em leitos de rios, tanto é que foi chamada por algum tempo de “mal dos caixões”.
    Já no início do século XX, o fisiologista escocês John Scott Haldane criava as primeiras tabelas de mergulho, permitindo que integrantes da marinha inglesa fizessem incursões de até 60 metros de profundidade sem conseqüências descompressivas.
    Por definição, a doença descompressiva ou DD é um quadro de múltiplas manifestações, devido à formação de bolhas no sistema circulatório e em alguns tecidos, ocasionado pela descompressão após a exposição a pressões barométricas acima do normal
    Podemos dividir os fatores predisponentes para a ocorrência dA DD, naqueles relacionados com à saúde e estado físico do mergulhador, e nos proporcionados por condutas inadequadas ou má utilização de equipamentos:
SAÚDE E ESTADO FÍSICO DO MERGULHADOR
CONDUTAS INADEQUADAS DO MERGULHADOR
Trauma ou contusão anterior
ao mergulho
Ressaca alcoólica
Estado de sonolência
Mergulhos executados nos limites
das tabelas
Fadiga ou tensão exagerada
Velocidade de subida exagerada
Estado gripal infeccioso ou convalescência dele

Desrespeito às regras de vôos
após os mergulhos

Má hidratação, anterior e
posterior ao mergulho
Alimentação gordurosa antes do mergulho
  • Considerado por alguns pesquisadores como fator predisponente, a obesidade não aumenta o risco de DD, mas, potencialmente, pode influir de modo negativo o aparecimento de manifestações mais graves da doença, quando atinge o sistema nervoso central.
    Outros fatores a serem considerados:
  • a medida que envelhecemos, nossa circulação e hidratação dos tecidos é menor, bem como aumenta a proporção de gordura na coluna vertebral;
  • o tabagismo deve ser evitado, pois eleva o nível de gorduras do sangue;
  • o frio durante o mergulho, além de torná-lo desconfortável, causa uma vasoconstrição na pele, diminuindo a circulação nesta área, o que irá retardar a eliminação do nitrogênio; e
  • drogas e medicamentos que alteram a função respiratória e circulatória devem sêr evitados.
    Quanto à gravidade, a DD pode ser classificada em:
  • Tipo I (DD I):
    Chamada também de leve ou bends, a DD I é caracterizada basicamente por dores (articulares e/ou musculares), por prurido ou sensação “estranha” na pele e por inchaço de gânglio linfático;
  • Tipo II (DD II):
    Mais grave que a anterior, freqüentemente produz seqüelas. Pode ser subdividida em dois ramos:
  • 1) cardiorespiratórios:
    Devido à embolia gasosa da artéria pulmonar, se manifestam por uma sensação aguda de sufocação (chokes), falta de ar, dificuldade respiratória, sudorese abundante, respiração superficial, dor torácica, “batedeira” no peito e, com evolução do quadro, cianose, arritmia cardíaca e choque;
  • 2) neurológicos:
    Decorrem do comprometimento do sistema nervoso central, no nível cerebral e/ou espinhal. Manifestam-se por formigamento, perda da sensibilidade, impotência funcional de extremidades, perda da força muscular, paralisia de membros inferiores, ou sensação “estranha de moleza nas pernas”. Quando atingem o nível cerebral podem se manifestar como dor de cabeça, tonturas, alterações do comportamento, convulsões e perda da consciência. As vertigens podem sêr acompanhadas de vômitos, zumbidos e dores provocadas por sons comuns.
    Estudos indicam que 65% das vítimas de DD que receberam oxigênio no atendimento emergencial, acabavam sem sintomas e muitas vezes sem tratamento em câmara hiperbárica.
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